Ela precisava trabalhar, as contas se acumulavam, a coisa estava apertada para completar o salário do mês anterior não veio. Estava desempregada, pois o velho nojento, que a havia assediado desde o primeiro dia, disse que se quisesse receber alguma coisa que buscasse seus direitos na justiça.

Muitos currículos foram enviados, processos seletivos de perder a conta, mas havia um problema que dificultava bastante a situação: o horário. Ainda estudante e em período integral, os horários eram picados, corrido mesmo só no período da noite. Eis que surge uma boa oportunidade, um estágio. A remuneração não era lá essas coisas, mas para quem estava naquela situação, ajudava bastante. A parte boa é que aceitaram os horários picados e seria supervisionada por um profissional experiente e competente, ao menos era isso que ela achava.

A academia era pequena, dessas que ficam na parte de cima de algum outro tipo de comércio. Bairro nobre da cidade de São Paulo, bem no meio do caminho entre a casa, em Santo Amaro, e a faculdade. Ia de ônibus e quando a volta era para casa, vinha a pé, sob a lógica de que, além de economizar na condução, era melhor do que fazer a caminhada na esteira onde se sentia um hamster!

No primeiro dia foi recepcionada pelo coordenador que logo perguntou sobre sua experiência e tratou de mostrar o funcionamento da sala de musculação. Ela, bastante experiente com a prática e com alguma vivência como estagiária, respondeu timidamente que conhecia um pouco do babado, mas que gostaria de ser orientada, afinal sempre podemos aprender mais e estava fazendo um estágio, pensou. E aprendeu, aprendeu muito…

O coordenador pegou a ficha de treino e explicou que ela montaria apenas treinos para iniciantes. Foi em cada aparelho explicando como as cargas deveriam ser utilizadas. Por exemplo, para fazer tríceps pulley as mulheres usariam 1 tijolinho e os homens 2 tijolinhos, porque os homens são mais fortes do que as mulheres. A explanação continuou assim até o último aparelho, homens sempre ganhavam mais tijolinhos do que as mulheres.

Ela, começou a prestar atenção, ia questionar sobre ser estagiária e montar treinos, mas não conseguia parar de pensar nos tijolinhos. Como assim tijolinhos??? Como assim homens mais tijolinhos do que mulheres???Ironicamente pensou que aquele professor de biomecânica da faculdade, não devia entender nadica de nada do que rolava na prática, ou ela havia faltado em alguma aula, pois nunca ouvira falar sobre critérios de gênero, muito menos sobre os tijolinhos.

Foi para casa, caminhando, matutando sobre os tijolinhos, até sonhou com os tijolinhos e com o dia que poderia dizer obrigada pela oportunidade. Ainda que fosse por aprender, como não se deve fazer.

Texto originalmente publicado em 04/06/2013

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