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Aos Teus Olhos – o que podemos aprender com esse filme

Aos teus olhos, filme dirigido por Carolina Jabor que tem Daniel de Oliveira no papel principal, trata de um assunto atual que é o linchamento moral feito nas redes sociais. Você deve estar se perguntando: o que o Fique Informa tem a ver com isso? O linchamento moral é de um Profissional de Educação Física, professor de natação infantil, que é acusado de abuso sexual, por supostamente dar um beijo na boca de um aluno de 8 anos. A partir daqui, se você não assistiu ao filme já aviso que terão spoilers.

O filme mostra nuances do relacionamento pais – professor – aluno – empregador que  vivenciamos em certa medida no cotidiano das academias e clubes. A falta de cuidado do professor na relação com os alunos, pais separados e com problemas de relacionamento com o filho, criança perdida no meio da pressão de adultos, empregador que ora se mostra omisso, ora se perde nos seus direitos e deveres. Isso tudo tendo como tema central um assunto delicadíssimo que é o abuso sexual infantil, regado de preconceito e disseminado rapidamente pelas redes sociais.

O objetivo do filme não é encontrar um culpado. Na verdade o filme termina sem uma solução, não se sabe se o professor realmente abusou da criança, se a criança mentiu, se a mãe da criança exagerou na história. Embora tenha recebido vários prêmios, as críticas  falam da superficialidade dos personagens e do ritmo da narrativa, que dá voltas em determinado momento, mas o importante é que o filme deixa margem para a discussão de muitos assuntos que permeiam a história. A que mais chama a atenção, e tema central, é o linchamento virtual que condena o professor antes dele ter sido julgado, antes de se ter certeza dos fatos. Poderíamos contar a mesma história do ponto de vista de cada um dos personagens e talvez este seja, inclusive, o motivo do título do filme.

Nesse texto quero abordar da perspectiva dos erros cometidos pelo professor, que conduzem alguns personagens a presumir a sua culpa, mas que poderiam ser cometidos por um inocente, vítima de preconceito. Erros que, dependendo da interpretação, são suficientes para colocá-lo na cadeia e que são cometidos, na vida real, por muitos profissionais de Educação Física.

O que o filme Aos Teus Olhos pode ensinar ao Professor de Educação Física.

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O professor do filme Aos Teus Olhos é acusado nas redes sociais, sem provas, de abuso sexual infantil. Veja quais os comportamentos que o professor do filme tem, que conduzem à essa interpretação e como evitá-los. E lembre-se que os cuidados devem ser tomados independente da idade do aluno.

Cuidado quando você toca o aluno

É quase impossível dar aula de qualquer modalidade e não tocar o aluno para fazer correções. Embora isso seja normal, pode ser interpretado de forma errada. Pode ser visto como assédio, como abuso e até como agressão.

Nesses casos, diga ao aluno que precisa corrigi-lo, pergunte se pode tocá-lo e diga, antes de encostar nele, como irá fazer. Sempre que possível tente usar apenas as pontas dos dedos. Em aulas de natação, de ginástica artística, em que precisamos, muitas vezes, segurar com mais firmeza tenha certeza que o aluno e os pais estão cientes disso.

Carinho é diferente de carícia mas…

Ser carinhoso com as crianças ajuda a criar um vínculo com elas, mas é preciso ser extremamente cuidadoso para quem observa os seus atos não julgar de forma errada. Há casos também, em que você pode despertar o ciúme dos pais. Abraços, beijos, colocar a criança sentada no colo, podem ser mal interpretados. No filme há cenas em que o professor toca a mão do aluno para dar uma instrução, abraça a criança e desperta olhares desconfiados. Em outra cena um menino está entrando na água com a sunga desamarrada, o professor trata de dar o laço, também é visto com ar de reprovação.

Cuidado com os comentários

Determinados comentários, feitos sobre os alunos em ambiente de trabalho, podem ser mal interpretados. O filme é recheado de exemplos que acontecem em uma cena dentro do vestiário e envolve uma conversa entre colegas. Nunca, eu disse NUNCA se refira à uma aluna como “gostosa” ou outros adjetivos do gênero. Isso vale também em relação aos alunos. Se estamos falando de um menor de idade, a situação fica ainda pior.

Se essa reflete a sua opinião guarde-a para si, se alguém fizer esse tipo de comentário perto de você e pedir sua opinião, desconverse. Na primeira oportunidade esse tipo de comportamento pode ser usado contra você.

Isso vale para comentários, racistas, machistas, sexistas e outros ‘istas”, que envolvam qualquer tipo de rótulo ou discriminação. Mesmo que seja “só” uma brincadeira, pode soar como ofensa e causar problemas sérios para você.

Não guarde objetos esquecidos pelos alunos

É comum que os alunos esqueçam objetos depois da aula, principalmente em vestiários. Se forem crianças isso pode acontecer com mais frequência. Não guarde esse objetos, mesmo com a melhor das intenções. Recolha e entregue à alguém que seja responsável por isso, se souber de quem é, identifique com o nome, mas não mantenha junto com suas coisas, dentro do seu armário ou bolsa.

No filme o professor guarda objetos deixados pelas crianças e depois de ser acusado de beijar um menor na boca, encontram a sunga dessa criança dentro do armário. As condições não são favoráveis para o professor e a sunga, só piora a situação.

Claro que no filme isso é feito para gerar ainda mais dúvidas sobre o ocorrido, mas pensando em outras circunstâncias, dependendo do objeto, pode acontece uma acusação de furto, por exemplo.

Conversas particulares somente em locais públicos ou monitorados

Há casos em que precisamos conversar com nossos alunos sem a participação de outras pessoas. Isso é mais comum com quem trabalha com atletas e com crianças. Nosso objetivo nessas horas é não causar constrangimento no aluno expondo alguma situação ou problema junto aos demais, e é uma decisão correta.

Quando uma conversa for necessária, escolha um local que tenham outras pessoas presentes. Pode ser um cantinho da quadra, da piscina, do ginásio ou um local monitorado por câmeras de segurança.

No filme o aluno não quer entrar na piscina para treinar e terá uma competição no fim de semana. O professor o leva ao vestiário para conversar com ele, entender o que está acontecendo e convencê-lo de treinar. Mas a cena não é mostrada, ficamos sabendo do ocorrido pela narrativa dos personagens. A mãe da criança diz que o menino contou à ela que nesse momento, no vestiário, o professor lhe dá um beijo na boca. Não é possível saber nem se o menino disse isso realmente para a mãe, o fato é que no vestiário não há testemunhas, nem câmeras para mostrar o que ocorreu.

Vínculo com alunos

É muito comum que professores e alunos criem vínculos. Atire a primeira pedra quem nunca se tornou amigo de um aluno ou de um professor. Mas essas relações precisam ser regadas de cuidados extras, principalmente quando estamos falando de menores de idade.

Adolescentes, especialmente aqueles que enfrentam problemas na família, podem ver o professor como uma pessoa em que podem confiar, tirar suas duvidas, fazer confidências. Muitas vezes colocam o profissional em situação de saia justa sobre como conduzir a conversa e sobre o tipo de conselho que deve ser dado.

Na dúvida é melhor dividir a situação com alguém capacitado para ajudar, por exemplo a psicóloga da escola, ou mesmo um coordenador ou diretor, antes de dar qualquer conselho ao aluno. Cuidando sempre para garantir a sua privacidade e para que o vínculo de confiança não seja quebrado.

No filme há uma menino gay, que em determinado momento agradece ao professor por um conselho, diz que fez o que ele sugeriu e que acabou “rolando”. Mais tarde quando o professor está sendo levado para depor na delegacia, o mesmo menino, o abraça efusivamente, diz à todos que ele é inocente, que teve aulas com ele desde pequeno e que nunca foi abusado. Mais um motivo que leva as pessoas a desconfiar do professor, uma vez que alguns personagens acreditam que ele é gay, pela acusação de ter beijado um menino na boca.

Outro ponto que no filme depõe contra a conduta desse professor ocorre quando é questionado sobre sua namorada, uma ex-aluna, maior de idade (19 anos), mas muito mais nova do que ele. Deixando subentendido que já mantinha alguma relação com ela antes da maioridade.

E essa é uma situação muito comum, nascer relacionamentos amorosos, entre aluno e professor. Meu primeiro marido foi meu professor, eu era menor e oito anos mais nova que ele. Casei grávida, fomos casados por 14 anos e tivemos dois filhos. Uma situação que não acarretou problemas, mas que poderia ter tomado um rumo totalmente diferente e prejudicado a carreira profissional dele.

Mesmo nos relacionamentos aluno-professor que não envolvem menores, o desastre pode ser grande caso haja um término conturbado dessa relação.

Atenção com o que publica nas redes sociais

O linchamento moral nas redes sociais é o tema central do filme, então não poderia deixar de destacar as publicações que fazemos sobre nós mesmos nas redes sociais e as pessoas com as quais nos relacionamos.

Anualmente dou uma palestra para os graduandos da EACH-USP Leste, no curso de Educação Física, sobre mercado de trabalho, de quatro anos pra cá tenho reservado um tempo para falar sobre o comportamento nas redes sociais. Ministrei um palestra online no Congresso Carioca de Educação Física, deste ano, em que abordo o assunto.

Cada vez mais os perfis nas redes sociais são consultados em processos seletivos, por alunos que pensam em contratar como Personal Trainer, por empregadores para monitorar o comportamento, pela polícia se é alvo de investigação, por bandidos que querem tirar proveito, por algum ex-qualquer-coisa que quer atormentar a vida. É verdade que quem não deve, não teme, mas precisamos lembrar que somos julgados pelo nosso comportamento sempre. Isso não é uma novidade da era digital, sempre aconteceu, a diferença é que, na era digital, criamos registros desses comportamentos que muitas vezes ficam fora do contexto. E é com isso que precisamos tomar cuidado.

O Profissional de Educação Física trabalha com a saúde, fotos e vídeos que envolvam práticas pouco saudáveis podem ser mal vistas, como beber ou fumar, mesmo que seja em festas. Fotos em trajes de banho podem despertar ciúmes nos cônjuges de seus alunos. Brincadeiras sobre como é ruim acordar cedo, ou trabalhar na segunda-feira, podem ser motivos para perder uma boa oportunidade de emprego.

Muita atenção em imagens feitas no ambiente de trabalho ou usando o uniforme da empresa. Certifique-se de que não está fazendo nada que seja ilegal ou proibido pelo manual de conduta da empresa.

Outros cuidados que devem ser tomados são fotos e vídeos feitos com alunos, muita atenção, principalmente se são menores. Nem todos os pais querem ver a imagem de seus filhos exposta nas redes sociais.

No filme, o professor tem como “amiga” nas redes sociais uma aluna de 12 anos, e algumas fotos em que aparece junto com ela. Em determinado momento é alertado por um colega que pergunta por que aceitou a menina, mas ele não vê nada demais e ainda diz que a menina não tem nada de inocente mostrando algumas fotos em poses insinuantes. Em outro momento, depois da acusação, aparece desesperado excluindo todas as fotos, que a essa altura só reforçavam sua posição de abusador.

Comportamento do Profissional de Educação Física precisa ser abordado nos cursos de graduação

Trabalhar com pessoas não é uma tarefa simples, para professores é ainda mais delicado pela posição que ocupam. Passam pelas mãos desses profissionais, gente que teve uma criação mais liberal, gente que teve uma criação mais conservadora, com crenças diferentes, hábitos diferentes e algumas vezes oriundas de culturas diferentes. Sem contar as próprias experiências de vida do próprio professor. Conciliar tudo isso é desafiador, principalmente quando somado à inexperiência de um jovem recém saído da universidade.

Existem preconceitos em relação ao Profissional de Educação Física que precisam ser conhecidos por aqueles que irão entrar no mercado de trabalho, combatidos e derrubados pela atitude dos profissionais e não reforçados como acontece algumas vezes. É bastante comum que o Profissional de Educação Física seja visto como uma pessoa que não gosta de estudar, que passa o dia se divertindo com jogos, brincadeiras, exercitando o corpo. Que usa roupas sumárias, justas, curtas, extremamente informais o tempo todo. Que é um sedutor nato.

Diversos erros cometidos pelo professor de natação, exacerbados no filme, também são comuns no cotidiano de profissionais de Educação Física e podem tomar uma dimensão maior do que quando cometidos por profissionais de outras áreas, justamente pelo corpo ser o objeto de trabalho desse profissional. É preconceito sim, mas é a realidade!

Precisamos que em algum momento do curso de graduação, o comportamento, a postura profissional seja abordada, com exemplos e discutido com os graduandos de forma que ingressem no mercado de trabalho cientes das situações em que podem ser envolvidos, muitas vezes por descuido e até ingenuidade. Para que esses futuros profissionais não sejam colocados em situações que possam gerar dúvidas, como ocorre no filme, e prejudicar para sempre a carreira e dependendo do caso a vida inteira. Uma sugestão é usar esse filme como ponto de partida para as discussões.

Sobre o filme Aos Teus Olhos

Exibido em diversos festivais nacionais e internacionais o filme recebeu os prêmios de melhor roteiro (Lucas Paraizo), ator (Daniel de Oliveira), ator coadjuvante (Marco Ricca, como o pai do aluno) e melhor longa de ficção pelo voto popular no Festival do Rio. O longa também conquistou o Prêmio Petrobrás de Cinema na 41ª Mostra São Paulo de Melhor Filme de Ficção brasileiro e os prêmios de Melhor Direção no 25º Mix Brasil e SIGNIS no 39 º Festival de Havana. A produção é da Conspiração Filmes, em coprodução com Globo Filmes e Canal Brasil.

Título: Aos Teus Olhos (Original)

Ano de produção: 2018

Direção: Carolina Jabor

Roteiro: George Moura, Josep Maria Miró, Lucas Paraízo, Ventura Pons Sala

Elenco: Daniel Oliveira (Rubens), Marco Ricca (Davi), Stella Rabello (Marisa), Gustavo Falcão (Heitor), Luisa Arraes (Sofia), Luiz Felipe Mello (Alex), Malu Galli (Ana)

Duração: 87 minutos

Classificação: Não recomendado para menores de 14 anos

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