Estou sendo cobrada por esse texto, mas precisava organizar melhor as ideias para escrevê-lo. O que vimos acontecer com a nossa seleção nessa Copa do Mundo é apenas um reflexo da importância que nossa sociedade dá para a Educação Física e o Esporte e a solução é muito mais complexa do que parece.

A primeira pergunta que devemos fazer antes de iniciar qualquer discussão nesse sentido é o quão importante é para a nossa sociedade ter atletas e equipes de ponta, capazes de disputar campeonatos mundiais e olimpíadas, e ter excelentes resultados? O motivo da pergunta é simples, não é possível ter destaque no esporte sem investimentos pesados. E fazer investimentos, significa fazer opções, se o dinheiro for colocado no esporte, alguém deixará de recebê-lo, salvo se forem criados mecanismos específicos para esse fim (e que funcionem!). Considerando que a resposta para essa pergunta seja um sim, então posso prosseguir com minhas impressões sobre o assunto.

Escrevi aqui um texto onde eu criticava o treino na caixa de areia da Seleção Brasileira, durante a Copa, e fui duramente criticada por muitos leitores, algumas vezes faltando até com a educação. Fiz uma crítica pontual, sobre um aspecto específico, adotado nos treinos, com o qual eu discordava totalmente, mas que certamente teve uma parcela de contribuição no péssimo resultado da equipe. Se não pelo treino propriamente dito, mas pelo mal uso do tempo disponível. É condição sine qua non que em esportes coletivos os atletas joguem juntos, seja na condição de treinos, amistosos ou campeonatos. Uma equipe coletiva não se faz com talentos individuais e ainda precisa de alguém para reger  conjunto. Aliás bem parecido com uma orquestra, experimente juntar músicos super experientes, e coloque-os para tocar sem ensaio e sem maestro.

Muito se falou sobre a virada da Alemanha no seu sistema de formação de atletas que culminou com essa equipe vencedora. Neymar falará ao Fantástico no próximo domingo sobre o ocorrido com a seleção e na chamada do programa já diz que o Brasil está atrasados em relação à outros países. Ouvi muito se falar em formação de base de atletas, mas o buraco é muito mais embaixo. Não temos dificuldades em formar apenas atletas, mas os profissionais que irão trabalhar com eles também e quando conseguimos formar, não damos condições para eles exerçam a sua função.

Educação Física e o Esporte

Educação Física e Esporte

Sim pessoas, Educação Física e Esporte, embora tenham pontos em comum e que em algum momento se relacionam, são diferentes. Não vou discutir suas diferenças, pois mesmo os estudiosos sobre o assunto não conseguem chegar a um consenso. O que importa aqui é que, embora tenhamos avançado bastante nos dois âmbitos, ainda falta muito para chegarmos perto do modelo ideal para alcançarmos os bons resultados que hoje são cobrados do jogadores de futebol, mas que já foram cobrados de tantos outros atletas.

O segredo do sucesso no esporte, se inicia na formação de uma base sólida. Quanto maior a base, maior a chance de surgirem talentos e digo isso para as duas pontas: talentos esportivos, os atletas e talentos profissionais, os técnicos. Essa base poderia ser formada a partir da Educação Física Escolar e de Centros Esportivos, mas para que isso aconteça precisamos ter políticas públicas que favoreçam a educação física e o esporte.

Para quem ainda tem dúvidas sobre o que estou falando basta lembrar quais são os objetivos da Educação Física Escolar: apreciar, usufruir e gerenciar sua própria atividade. Conseguindo fazer com que as crianças atinjam esses objetivos, conseguiremos ter uma boa parcela da população mais saudável, pois farão suas atividades físicas com regularidade e segurança e ainda teremos aqueles que se mostrarão vocacionados para o usufruir, os atletas e os vocacionados para o gerenciar, os técnicos. A partir daí começa um longo período de formação. (Vejam que não é tão simples assim visto que ainda lutamos pela obrigatoriedade de Professor Licenciado em Educação Física na Educação Básica – vide PLC116/2013)

No caso dos atletas, essa formação passa por treinos e categorias de base, em escolas de esportes e centros esportivos, até que cheguemos às equipes principais, com atletas de alto nível. Isso considerando outros aspectos que são impressindíveis como infraestrutura, acompanhamento de equipe profissional multidisciplinar, acesso à saúde, acesso à educação e apoio financeiro individual.

No caso dos técnicos a formação começa cursando uma faculdade de educação física ou esporte (sem questionar a qualidade na formação desses profissionais, que precisaria melhorar muito!), passa por cursos de especialização, estágios, experiência profissional na área específica e educação continuada, seja através de congressos, workshops, intercâmbios. Aqui também a infraestrutura é de suma importância, além de salários dignos. O técnico esportivo precisa ganhar o suficiente para que tenha tempo de se dedicar ao aperfeiçoamento da sua carreira e dos seus conhecimentos. Um técnico esportivo não pode estar dentro da quadra, do ginásio, de manhã, a tarde e a noite, em jornadas triplas, como acontece com alguns que precisam de complemento no salário para sobreviver. Lembra do “vocação para gerenciar”? Um técnico é antes de mais nada em gestor e a gestão se faz muito mais fora do que dentro da quadra, campo ou ginásio.

Já que a ascensão da Alemanha no futebol está na moda vou usar como exemplo uma pirâmide que mostra o processo de qualificação profissional da Federação Alemã de Futebol. E antes que a turma da corneta entre em ação, eu sei que não dá para copiar o modelo por aqui, inclusive por questões legais, que envolvem a formação profissional, mas é apenas um exemplo que pode servir de inspiração. Perceba que se trata de um programa de Educação Continuada e isso é o interessante. Em tempo: conheci essa pirâmide através da indicação de um colega, ex-técnico de voleibol, Milton Serra, do texto publicado no blog Caderno de Campo.

piramide_alemanha

Uma formação nos mesmos moldes cabe para cada uma das modalidades esportivas que temos hoje. O fato é que enquanto não tivermos uma política de formação sólida e bem definida, continuaremos reféns de meia dúzia de técnicos que são vistos como “os possíveis” e realmente são por pura falta de opção.

Exportação de atletas: um outro problema.

Supondo agora que tenhamos vencido esses obstáculos, nossa Educação Física Escolar é perfeita, nos dá uma boa base. Temos a formação continuada dos técnicos que nos proporciona os melhores técnicos, como jamais tivemos. Os Centros Esportivos funcionam a todo vapor, somos uma fábrica de atletas.

E quando eles estão prontos, ou quase prontos, são levados para fora e continuamos sem conseguir treinar uma equipe como uma equipe deve ser treinada. Isso ocorre hoje, nomeadamente com os jogadores de futebol, por todo poder econômico envolvido nesse esporte, mas pode vir a ocorrer com outros esportes. Já temos brasileiros, por exemplo, na NBA (Basquete Americano).

Esse é um outro problema que precisamos aprender a contornar. Qual a forma? Existem algumas. Se vale a pena, se funcionariam, é uma outra questão.

Como disse no início do texto a solução para esse problema é muito mais complexa do que parece, custa tempo (e não é pouco), custa dinheiro (que também não é pouco) e volto a perguntar: é isso mesmo o que a sociedade quer? É isso o que você gostaria? Só para dar uma última cutucada, lembra da frase do Ronaldo que ficou famosa? Não se faz Copa com hospitais…pois é…